Ontem visitei o Cláudio e a Suzane, sua esposa. Ele me recebeu todo animado no portão, e eu logo perguntei: “E a Suzane, como está?” “Tá de bico lá dentro”, ele falou rindo. “Bico? Como assim?!”, falei, levemente preocupado. Chegando na cozinha, lá estava ela mexendo no celular, com um bicão mesmo. Abracei a Suzane e perguntei: “O que aconteceu, Suzane? Tá com essa cara feia por quê?” “Não é nada, não. Me deixa quieta”, respondeu chateada. Eu me sentei na cadeira da cozinha e comecei a tomar uma cerveja com o Cláudio, quando, de repente, a Suzane, ainda em pé ao meu lado, perguntou: “Não notou nada de diferente em mim, não?” “Uai, Suzane, tem algo diferente? Num percebi nada, não!”, falei, convicto. Ela respirou fundo e soltou a bomba: “Vocês homens são todos iguais. Cláudio nem reparou que tô com um esmalte novo, 'geleia de amora'. Fiz isso pensando nele, cheguei em casa toda feliz e ele nem notou. Isso que me deixou chateada.”
Cláudio, coitado, nem sabia onde enfiar a cara. Ele até tentou se defender, dizendo que teve um dia estressante no trabalho, que estava com a cabeça a mil. Só sei que, no fim, todos rimos, e o assunto do esmalte virou motivo de zoeira. A Suzane descontraiu, tomamos mais algumas cervejas, e o bico dela desapareceu de vez.
Esse exemplo, tão corriqueiro, ensina algo importante sobre o ser humano. Quando uma mágoa, por menor que seja, não é resolvida, ela não desaparece — só se esconde. Talvez por trás de um sorriso de lado, de uma brincadeira, ou até de um simples “tá tudo bem”. A verdade é que não tá — e nós, homens, gelamos quando a mulher diz isso.
Freud dizia que “se acostumou a considerar incompleta qualquer história que não trouxesse melhora alguma”. Isso vale para todas as nossas relações. Quantas vezes deixamos pequenos desentendimentos de lado, engolimos sapos, evitamos o conflito “pra não criar confusão”? O problema é que essas coisas não resolvidas não somem. Elas se acumulam. E assim como uma panela de pressão, chega uma hora que explode.
Muitos casais, como Cláudio e Suzane, vão empurrando os problemas pra debaixo do tapete. E, quando menos esperam, algo aparentemente pequeno — como a cor de um esmalte — traz à tona um mar de insatisfações. Para um dos lados, parecia estar tudo tranquilo. Já para o outro, o acúmulo de emoções não ditas foi construindo um vulcão silencioso, até que vem a surpresa: “Eu quero terminar”. E um dos dois fica lá, atônito, sem entender de onde veio essa erupção.
A verdade é que engolir sapos faz muito mal. Se uma emoção não é expressa, ela se aloja em algum lugar — vira mágoa, ressentimento, ou até uma doença física. A expressão emocional é tão necessária quanto respirar. O Cláudio, por exemplo, podia achar que o bico da Suzane era “só uma cor de esmalte”. Mas, na verdade, era sobre algo maior: a sensação de não ser vista, de não ser valorizada. E isso, meus amigos, é o início do fim quando não se resolve.
O diálogo aberto é o alicerce de qualquer relação. E não falo só de casais — vale pra amigos, família, trabalho. Quando ignoramos os desentendimentos ou os sentimentos do outro, estamos marretando os pilares de qualquer relação. A queda é questão de tempo. E pior, muitas vezes achamos que o problema é pequeno, ou que o outro está fazendo drama. Mudamos de assunto — isso é como varrer a poeira para debaixo do tapete. Uma hora, toda aquela sujeira vai aparecer.
Acolher o outro, ouvir com atenção e expressar o que sentimos é como fazer uma faxina. Tudo fica tão gostoso após uma “faxinona”. Eu sei, dá trabalho, mas o resultado é maravilhoso — e olha que não estou falando de faxina, mas de relações humanas, viu?!
Então, antes que a poeira se acumule, antes que o “tá tudo bem” se transforme em silêncio total, vale parar, olhar nos olhos e perguntar de coração: “Tá tudo bem mesmo?” E estar disposto a ouvir a resposta — tudinho, por mais difícil que seja. Porque, no final das contas, todos precisamos de alguém que nos ouça e compreenda. E se não há espaço para falar, para compartilhar as pequenas e grandes insatisfações, o que sobra é o acúmulo, que desgasta e destrói até o mais forte dos laços.
— Alessander Raker Stehling
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