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Foto do escritorAlessander Raker Stehling

Do Medo da Morte à Redescoberta da Vida: Um Caso de Transformação Através da Terapia

“Eu penso o tempo todo em morrer”, disse Jaqueline, minha paciente, com lágrimas nos olhos, batendo as mãos no sofá e inclinando o corpo para frente; senti que ela havia tirado um peso gigantesco das costas ao confessar esse desejo. Por que ela disse isso? Deixe-me explicar a história dela.


Jaqueline, 32 anos, mãe de três belos filhos, tinha feito uma laqueadura um ano antes de me procurar. O que a levou para a terapia foi um relato interessante e peculiar. Ela me disse: “Eu briguei com minha melhor amiga. Ela me convidou para um chá de fraldas, pois está grávida, e eu fui, mas me senti tão mal naquele ambiente, fiquei tão estressada, que, quando ela veio me abraçar com aquela barrigona tão linda, eu simplesmente falei: ‘Nossa, mas você engordou tanto, hein? Esse vestido ficou parecendo uma capa de botijão em você’. Na mesma hora, ela começou a chorar, se afastou de mim, e todos em volta olharam para mim, me condenando — e com razão. Peguei minhas coisas, fui embora e não consigo, até agora, entender por que agi daquela forma. Fui ridícula, horrível”, confessou Jaqueline, arranhando os braços sutilmente, talvez como uma forma de punição.


Iniciamos nossas sessões, e notei em Jaqueline um desejo profundo de ter mais filhos, mas ela não podia, já que havia feito a laqueadura. Esse desejo era tão forte que parecia que nada mais importava para ela. E o pior: ela estava nutrindo inveja e raiva de mulheres grávidas ou que amamentavam. Não conseguia mais ir a eventos onde havia crianças pequenas ou gestantes. Quando se deparava com uma situação dessas, ela imediatamente se levantava e ia embora. Disse-me que não se sentia bem e que sentia um forte aperto no peito.


Muito bem, em nossa terceira sessão, resolvi questioná-la: “O que estaria passando em sua cabeça se não estivesse pensando em ter filhos?”


“Vou te mostrar”, disse Jaqueline. Abriu sua bolsa, pegou uma mexerica e começou a descascá-la — a sala ficou impregnada com aquele cheiro delicioso da fruta. “Quer?”, perguntou, estendendo a mão e me oferecendo um gomo. “Não, obrigado”, respondi com um olhar curioso.


“Você deveria aceitar. Mexerica é rica em vitamina C”, disse ela, chupando mais um gomo. “Eu chupo laranja, mexerica, acerola, tudo que tem vitamina C, todos os dias.”


“E por que vitamina C é tão importante?”, questionei.


“Me impede de morrer. Morrer — essa é a resposta para sua pergunta sobre o que estaria se passando em minha cabeça. Eu penso o tempo todo em morrer.”



“Morrer? Por que Jaqueline queria morrer?” Esse tema pairou em nossas sessões por muito tempo. Ficou claro que a morte perseguia Jaqueline desde os 12 anos, quando sua mãe morreu de câncer. Ela carregava uma raiva profunda da mãe, por tê-la deixado sozinha, forçando-a a se mudar para a casa de sua tia Clarinda. Qualquer tossezinha a fazia entrar na “terapia da vitamina C”. Ela morria de medo de pegar câncer, como a mãe, que morreu de câncer de mama. Vivia apalpando os seios lateralmente, como se estivesse fazendo o autoexame, mas nem percebia esse comportamento obsessivo. Na verdade, a culpa por não ter visitado a mãe no hospital, deixando-a morrer sozinha, atormentava Jaqueline. Ela acreditava que dedicar-se aos filhos era uma expiação, uma forma de reparar seu erro por não ter cuidado da mãe, e uma tentativa de garantir que ela própria não morreria sozinha, como aconteceu com a mãe.


“Jaqueline”, perguntei certa tarde, “você conseguiu perdoar a si mesma por não ter ido ver sua mãe no hospital?”


Ela me olhou como se tivesse levado um choque. “Eu? Me perdoar? Como, se foi minha culpa? Ela morreu sozinha…”


“E se, naquele momento, você não tivesse as ferramentas para lidar com isso? E se, sendo tão jovem, sua forma de se proteger daquela dor fosse se afastar?”, perguntei calmamente.


Jaqueline abaixou a cabeça, olhando para as mãos, e depois para a janela. “É… nunca pensei que eu também estivesse… tentando me proteger.”


Esse foi um ponto de virada. Ela começou a enxergar sua história com um olhar mais compassivo, reconhecendo que, aos 12 anos, não tinha forças ou maturidade para encarar o sofrimento da mãe de frente. Começou a entender que seu desejo obsessivo de ter mais filhos e protegê-los era, na verdade, uma tentativa de lidar com aquela culpa infantil, quase como um escudo contra seu maior medo: o abandono.


No entanto, essa obsessão estava afastando-a das pessoas que amava. Ela se privava das alegrias mais simples — como celebrar a gravidez de uma amiga ou conviver com crianças pequenas — e, no fundo, privava os próprios filhos de uma mãe realmente presente e serena.


Um belo dia, ela inesperadamente me disse: “E se a verdadeira expiação não for ter mais filhos, como uma forma de compensação pela minha culpa, mas me permitir viver, amar e até errar, sem esse peso?”


Após essa fala, senti que algo mudara dentro dela. Ela ficou em silêncio e chorou, mas era um choro de alívio. Ofereci lenços de papel. Era a primeira vez que ela se sentia livre daquela culpa esmagadora.


Nas sessões seguintes, Jaqueline começou a experimentar pequenas mudanças. Voltou a sair com amigos e até ligou para sua amiga, aquela do chá de fraldas, pedindo desculpas sinceras. A amiga, para sua surpresa, aceitou o pedido, compreendendo as camadas profundas daquela reação agressiva. Gradualmente, Jaqueline se permitiu estar ao lado de grávidas e crianças sem aquele aperto no peito ou a necessidade de fugir.


Em nosso último encontro, ela trouxe novamente uma mexerica para nossa sessão, mas, dessa vez, sorriu ao me oferecer um gomo. Aceitei, e ambos comemos em silêncio, saboreando o frescor e a simplicidade daquele momento. Não havia palavras para descrever o que estava sendo curado ali. Era uma aceitação mútua da vida — com suas perdas, dores e, sim, suas reconciliações.


A sessão terminou, e Jaqueline se despediu com um brilho novo no olhar. Compreendi que ela não apenas desejava viver, mas estava realmente se permitindo experimentar a vida. Ao sair, ela virou-se e disse algo que me marcou profundamente:


“Agora eu entendo. Talvez, viver seja um jeito de honrar tudo o que eu não pude fazer pela minha mãe.”


E, pela primeira vez desde que começamos nossas sessões, eu sabia que Jaqueline havia encontrado algo que buscava, mesmo sem saber: a paz consigo mesma.


— Alessander Raker Stehling

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Eu penso em morrer o tempo todo - Fala de Jaqueline na Psicoterapia
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