Ontem, no grupo de caminhada, tivemos a participação de uma nova integrante, a dona Marta, senhora de 72 anos, viúva. Veio junto com sua filha Marlene, que disse que ela estava ficando só em casa assistindo TV e que isso a estava incomodando.
“Olá, dona Marta, é um prazer tê-la conosco neste grupo de caminhada. Animada para as atividades? Hoje vamos esquenta o pé.”, disse. “Animada não estou não, minha filha insistiu tanto que tive que vir.”, ela desanimadamente respondeu. “Aposto que a senhora, ao final da caminhada, vai mudar de ideia e adorar ter vindo. Duvida não viu? Bora começar.”
Resolvi ir ao lado dela na caminhada, conversando e mostrando as belas paisagens e flores que encontrávamos pelo caminho. Entretanto, notei que dona Marta não sentia alegria naquilo, ela apenas reclamava da vida, das dores, da idade e do governo. Ela até havia me dito que foi feliz quando criança, mas que nem se lembrava direito. Parecia que a vida para ela era uma grande tortura, um fardo de duas toneladas carregado nas costas. Se ela algum dia havia se sentido viva, pode ter certeza que foi há bastante tempo e isso estava enterrado no limbo. Sentia que ela apenas existia, que estava implorando para que a sua hora chegasse logo. “Preciso fazer algo, que vida amarga e triste essa da dona Marta.”, pensei.
À medida que caminhávamos, eu buscava formas de animar dona Marta, de trazer um pouco de brilho àqueles olhos cansados pela vida. Lembrava-me das palavras sábias de Goethe, da importância de nos conectarmos com as pequenas coisas que nos fazem sentir vivos.
“Que tal pararmos um momento e apreciarmos a paisagem ao nosso redor?”, sugeri, apontando para um campo repleto de flores coloridas que dançavam suavemente com a brisa matinal. Dona Marta, com um suspiro, concordou, e paramos ali, absorvendo a beleza da natureza ao nosso redor.
Enquanto observávamos as flores, comecei a recitar um poema que havia memorizado, algo simples, mas cheio de emoção e significado. Dona Marta, aos poucos, parecia se deixar levar pelas palavras, como se encontrasse um refúgio naquelas rimas.
E assim, seguimos nossa caminhada, intercalando momentos de contemplação com conversas sobre a vida, sonhos esquecidos e esperanças adormecidas. Percebi que, mesmo em meio às suas dores e desilusões, havia uma centelha de vida dentro dela, uma chama que apenas precisava ser reacendida.
Ao nos despedirmos no final da caminhada, dona Marta me olhou com um brilho diferente nos olhos, um brilho de quem redescobria, aos poucos, o prazer de estar vivo. E naquele momento, eu soube que, mesmo que apenas por um instante, havia conseguido tocá-la e despertar algo dentro dela que estava adormecido há tanto temo.
E assim, enquanto nos afastávamos, eu sorri, e fiquei pensando que talvez, só talvez, aquela simples caminhada tivesse sido o primeiro passo de dona Marta rumo à reconexão consigo mesma, com a natureza e quem sabe aqueles momentos possam tê-la ajudado a se sentir viva novamente. É, quem sabe?
— Alessander Raker Stehling
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