“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.” Essa frase do filósofo Heráclito é um dos mais belos aforismos de toda a filosofia ocidental.
Heráclito, com sua sabedoria profunda, nos lembra da impermanência que permeia a existência. Cada momento que vivemos é único e irrepetível, como as águas de um rio que fluem sem cessar. Assim como não podemos tocar as mesmas águas duas vezes, também não podemos reviver os mesmos momentos. Tudo está em constante transformação, inclusive nós mesmos.
Eu me lembro claramente de um momento da minha infância, quando tinha cerca de sete anos. Eu caminhava de mãos dadas com meu pai, sentindo a firmeza e a segurança em seus dedos, enquanto meu irmão estava do outro lado. Ao passarmos por uma locadora de filmes e jogos, meus olhos foram atraídos pela vitrine. Dentro, um garoto jogava Sonic no Mega Drive, e uma onda de emoção pura e alegria me invadiu. As cores vibrantes, a música empolgante e a magia daquele instante ficaram gravadas na minha memória. Anos depois, ganhei um Mega Drive do meu pai, o que foi maravilhoso, mas nunca mais senti algo tão intenso quanto aquele momento, caminhando ao lado dele na calçada, sentindo a excitação do novo e a segurança do amor paterno.
Também me lembro com carinho dos momentos em que minha falecida mãe lia contos de fadas para mim. Sua voz suave narrava histórias como João e o Pé de Feijão, Os Três Porquinhos, João e Maria e Ali Babá e os Quarenta Ladrões. A cada gesto, a cada entonação, ela dava vida aos personagens, enchendo nosso apartamento de magia. Essas memórias me marcaram profundamente. Hoje, produzo textos e conteúdos audiovisuais, inspirado por essas doces lembranças. Talvez eu busque reviver a sensação de estar ao lado dela, perdido na fantasia das histórias. A verdade é que, por mais que eu deseje, jamais poderei recriar aqueles momentos.
A impermanência que Heráclito descreve não deve ser vista com tristeza, mas com uma profunda apreciação. É um convite a viver intensamente o presente, a valorizar cada sorriso, cada lágrima, cada abraço. Cada segundo é uma chance única de experienciar algo novo, de ser transformado, de se conectar de maneiras que jamais serão repetidas.
O universo está em um estado de fluxo contínuo. A beleza da vida reside exatamente nessa constante mudança, nessa dança eterna entre o que somos e o que estamos nos tornando. Ao compreender isso, podemos realmente apreciar a profundidade de cada momento, sem apego, mas com um coração aberto para a próxima transformação.
Portanto, abrace o agora. Ame intensamente, ria com sinceridade, chore se sentir vontade. Cada momento é um presente precioso, irrepetível. Heráclito nos lembra de que a verdadeira riqueza da vida está na sua impermanência, na certeza de que tudo muda, e que essa mudança é a essência da nossa existência. Que possamos, então, viver com gratidão e presença, aproveitando cada instante como se fosse o último — porque, de certa forma, ele realmente é.
E que, no findar de nossas vidas, já bem velhinhos, possamos olhar para trás com um sorriso no rosto e lágrimas de gratidão nos olhos, reconhecendo que cada momento vivido, cada transformação, cada instante de amor e dor, foram os que moldaram nossa essência.
Que a consciência da impermanência nos faça viver de forma mais plena, valorizando o agora com todo nosso ser, sabendo que o que realmente importa não é a duração das nossas experiências, mas a intensidade com que as experienciamos. Que possamos nos permitir ser vulneráveis, amar sem reservas e abraçar a beleza da mudança, pois é nesse fluxo contínuo que encontramos a verdadeira essência da vida.
— Alessander Raker Stehling
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