“Você não vai ser ninguém na vida.”
Era o que Juliana mais ouvia de sua mãe, Maria José, durante a infância. Esse refrão pessimista tornou-se sua frase “motivacional”, repetida sempre que as coisas davam errado.
Dona Maria, mulher de mãos calejadas e olhos cansados, não sabia amar de outra forma. Foi o que teve na própria infância: brigas, ofensas e reprovações. Nunca se casou — o homem com quem teve os filhos foi embora antes que Gabriel, o mais velho, aprendesse a andar. Entre faxinas mal pagas e favores humilhantes, criou os três filhos sozinha. Quando jovem, sonhava em ser pedagoga, mas faltaram apoio e forças. Traumas, no entanto, não faltaram: violência, abusos, descaso, bullying… O que de pior a mente possa imaginar, ela passou.
Juliana era a caçula, sempre a mais próxima da mãe. Enquanto Gabriela fugia de casa aos 15 anos e Gabriel se casava para escapar do passado, Juliana permanecia. Via nas dores da mãe uma missão, um chamado de Deus. Aos 10 anos, limpava a casa enquanto a mãe trabalhava. Aos 13, ajudava nas faxinas. Aos 20, largou os estudos.
— Você não vai ser ninguém na vida, Juliana. — repetia Dona Maria entre uma tragada e outra de cigarro barato.
No início, Juliana se incomodava, mas com o tempo passou a ignorar. Sem perceber, assumiu uma vida que não era sua. Aos 25, casou-se com um homem frio e abusivo. Teve dois filhos antes dos 30, mas o marido foi embora antes que o segundo aprendesse a falar.
Ela voltou para a casa da mãe com as crianças no colo. Dona Maria ainda estava lá, mais velha, mais amarga, mas com o cigarro nos dedos.
— Eu te avisei, filha. Esse mundo é cruel. Homem nenhum presta.
Juliana ouviu e abaixou a cabeça. Passou os anos seguintes cuidando da mãe enquanto sua juventude escorria pelo ralo junto com a água suja das faxinas. Não tinha amigos, sonhos ou sequer o desejo de sair daquele lugar. Às vezes, olhava os filhos brincando na rua e se perguntava se, um dia, eles seriam alguém na vida.
Quando Dona Maria faleceu, Juliana sentiu um misto de liberdade e desamparo. Durante o velório, Gabriel apareceu, sério e frio.
— Não vou ficar, só vim por obrigação.
Juliana não respondeu. Assistiu ao irmão sair sem olhar para trás. Gabriela nunca mais deu notícias.
Juliana, no entanto, estava ali. Agora, sem mãe, sem marido, com dois filhos para criar e nenhuma vontade de recomeçar. Sentada no sofá velho da sala, acendeu um cigarro pela primeira vez. Tossiu e soltou a fumaça desajeitada, tentando entender o que sentia, mas só havia vazio.
No dia seguinte, levantou-se cedo. Colocou as crianças na escola, passou o dia limpando uma casa maior que a sua e voltou ao entardecer. Quando se olhou no espelho do banheiro, viu as mesmas olheiras, o mesmo olhar cansado, as mesmas mãos calejadas. Por um instante, enxergou a mãe ali, refletida.
E, sem perceber, murmurou para si mesma:
— Você não vai ser ninguém na vida.
Naquela noite, Juliana chorou como nunca. Chorou pela mãe que nunca foi feliz, pela irmã desaparecida, pelo irmão distante e por si mesma, que ficou. Chorou pela infância que não teve e pelo amor que nunca encontrou. Quando o cansaço a venceu, adormeceu no mesmo sofá onde tantas vezes viu a mãe sentada, encarando o vazio.
No dia seguinte, levantou-se, limpou o rosto, pegou seus materiais de limpeza e foi faxinar outra casa. Juliana não tinha esperança de um futuro diferente; apenas seguia, apática, como quem espera pelo fim. No fundo, esse sempre foi seu maior desejo, aquele que ela nunca teve coragem de contar a ninguém.
— Alessander Raker Stehling
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