Uma carreta carregada de cerveja tomba na pista, e em poucos minutos o asfalto se transforma em uma terra sem lei. O cheiro forte de cerveja quente se espalha pelo ar, enquanto o som metálico de latinhas rolando ecoa pela estrada. Caixas são arrastadas para dentro de carros, sacolas plásticas transbordam de latinhas, baús de motos se enchem às pressas. O saque acontece sob o sol escaldante, enquanto alguns motoristas buzinam, indignados — mas sem ousar sair do carro para impedir. Se perguntarmos a um dos saqueadores, ele poderia se justificar de várias formas:
— A cervejaria tem seguro, ninguém vai sair no prejuízo.
— Se eu não pegasse, outro pegaria.
— O governo rouba a gente o tempo todo, então não tô nem aí.
Outro cenário: uma longa fila se forma no banco. No final da tarde, todos estão cansados, irritados, contando os minutos. Um homem entra apressado, mas, em vez de se posicionar no fim da fila, ele sorri para a atendente, chama-a pelo nome e, em segundos, está sendo atendido. Murmúrios de revolta ecoam entre os clientes, mas ninguém o confronta diretamente.
E ainda temos o clássico da política brasileira. “Ele rouba, mas faz.” Essa é a justificativa de milhões de eleitores, ano após ano, para votar em políticos de reputação duvidosa. Como se a corrupção, quando acompanhada de obras públicas ou benefícios sociais, se transformasse em um pecado menor.
Tudo isso tem nome: jeitinho brasileiro.
O jeitinho é a nossa maneira de flexibilizar regras quando elas se tornam inconvenientes. Mas ele não é apenas uma questão de esperteza ou sobrevivência. É também uma questão moral. Se existe um filósofo que provavelmente desaprovaria esse comportamento, esse homem seria Immanuel Kant.
Kant, filósofo alemão do século XVIII, acreditava que a moralidade não podia depender das circunstâncias, interesses ou emoções pessoais. Para ele, o certo é certo, e o errado é errado — independentemente das consequências. Sua ideia central, o imperativo categórico, pode ser resumida assim: “Age somente segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal.”
Ou seja, antes de agir, devemos nos perguntar: e se todo mundo fizesse isso?
Se todos saqueassem cargas tombadas, o que aconteceria? Nenhuma mercadoria seria transportada com segurança. Se todos furassem fila porque conhecem alguém, filas deixariam de ter sentido. Se aceitássemos que todo político corrupto pode continuar no poder, qual seria o limite da corrupção?
Kant nos convida a pensar além das nossas desculpas individuais e refletir sobre o impacto coletivo das nossas ações.
Mas a questão moral nunca é simples. A realidade humana é marcada por emoções, necessidades e influências sociais. A fome, a desigualdade, a injustiça institucionalizada — tudo isso pesa sobre a ética de cada indivíduo. Para Kant, a moralidade deveria ser universal, mas sabemos que a vida real é feita de subjetividades.
Talvez, em um mundo ideal, todos agissem segundo princípios que pudessem ser universalizados. Mas no mundo real, seguimos convivendo com o jeitinho brasileiro — entre a esperteza e a transgressão, entre a necessidade e o oportunismo, entre o individualismo e o bem comum.
E você? O que acha que Kant diria se morasse aqui no Brasil?
— Alessander Raker Stehling
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