"SAI DAQUIIIIII", berrou Katia ao aperceber-se que alguém subitamente entrou na sua sala, em seu escritório de advocacia na Paulista, em São Paulo. Marcelo, assustado e magoado, como um gato, fechou imediatamente a porta e dirigiu-se apressadamente para a saída do local, desejando nunca mais olhar para a cara dela, mas antes de ir embora, jogou na lixeira da recepção os chocolates e o cartão que comprou de presente e escreveu a próprio punho para sua amada.
Ao se levantar para fechar o escritório e ir embora. Ela sentiu ter algo estranho, mas seu comportamento fora tão automático, que Katia não havia percebido a burrada que fez. Tentou ligar para Marcelo; mas a ligação caia sem ao menos iniciar. Ela ficou ansiosa e sem entender.
Na verdade, esse não foi um caso isolado. Em seu outro relacionamento, com Paulo, Katia reagiu de forma parecida. Um belo dia ele tentou fazer uma surpresa, entrou sorrateiramente no banheiro em que ela estava se arrumando. Com o secador ligado, ela não o ouviu e nem o viu, porém, se assustou muito quando o percebeu, gritando ensurdecidamente e deixando o secador cair no chão. Após esse incidente, Paulo achou que ela fosse louca, e o relacionamento deles nunca mais foi o mesmo, terminando pouco tempo depois desse episódio.
Katia não sabe, mas suas reações ocorrem inconscientemente, como uma defesa, pois em sua infância ela teve pouca privacidade, seus pais não respeitavam seu espaço e entravam sem avisar no seu quarto, ou em qualquer outro local em que ela estivesse; isso a deixava com muito ódio, possessa de raiva.
Naquele dia, antes de fechar o seu escritório, Katia, bastante confusa, notou algo diferente na lixeira da recepção, um embrulho colorido chamou-lhe a atenção. Tremendo muito, ela pegou um embrulho, que percebeu serem chocolates. Preso a eles havia um cartão, que ela prontamente abriu para ler. Nele estava escrito:
“Você é o meu presente de Deus, quero passar todos os meus dias ao seu lado, pois não sei viver sem ter você. Te amo muito.”
Ass. Marcelo
A ficha caiu! Katia, aos prantos, sentou-se na cadeira ao seu lado e clamou aos céus: “Meu Deus, eu sou uma idiota, o que foi que eu fiz.”
“A repetição é uma transferência do passado esquecido.” — Freud
— Alessander Raker Stehling
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