Deitado tranquilamente no sofá aqui de casa, estou refletindo sobre o que conversei há pouco com o Fábio, amigo antigo. Ele me revelou que, desde pequeno, queria ser psicólogo, mas sua mãe o persuadiu a seguir outro caminho. Lamentou essa infância difícil. Entretanto, empolgadamente me confessou: “Alê, quero te contar uma novidade, me matriculei em um curso de psicanálise em uma faculdade online. Vou retomar meu desejo de infância, não do jeito que eu queria, mas tudo bem, serei um psicanalista e estou feliz por isso.” O parabenizei por sua decisão e ele continuou: “sabe, estou gostando das aulas. Começou recentemente, mas fiquei um pouco incomodado, pois minha professora disse que não aconselhamos os pacientes. Eu quero ajudá-los e curá-los, uai. Então, acredito que o conselho é importante sim. Não concordo com a opinião da minha professora.”
Deixamos essa questão dos conselhos um pouco de lado enquanto conversávamos sobre a infância f#di$% que ele teve. De repente, falei: “imagino que sua vontade de aconselhar e curar os pacientes esteja ligada ao desejo de curar a si mesmo, desses problemas que teve com sua mãe. Entendo que, geralmente, quem escolhe as áreas da saúde mental está interessado em se curar primeiro. Ao cuidar dos outros, essa pessoa está, de certa forma, reparando seu passado infeliz e é claro que isso não diminui a nobreza do seu desejo de auxiliar outras pessoas. Porém, isso é uma armadilha perigosa.” Fábio ficou surpreso e me perguntou: “é perigoso em que sentido?”
Após uma golada em uma gin tônica que só o Fábio sabe fazer, continuei: “olha Fábio, quando uma pessoa procura um psicoterapeuta, normalmente ela o faz por acreditar que temos a solução para seus problemas. Podemos ou não nos colocar nessa posição de curadores, ou sábios, mas desaconselho você a ocupar tal lugar. Entendo que seja tentador ocupar esse 'espaço privilegiado', o de poder suprir a falta do paciente, de aliviar a angústia dele. Porém, como disse, não acho legal agir assim, pois isso impede o paciente de se responsabilizar e se comprometer com o seu próprio desejo.” Fábio pensou, pensou e disse: “mas e aí, qual lugar tenho que ocupar então?” Falei: “entendo você, e isso me lembra da ética do bem dizer, de Lacan. Segundo Lacan, o que está em jogo em uma psicoterapia é o desejo do paciente, a verdade dele que se esconde em seu inconsciente e se revela através de suas palavras, na sua subjetividade. Sendo assim, nós, psicoterapeutas, não somos os protagonistas, mas 'coadjuvantes'. Desta forma, podemos dizer que nosso papel é o de querer saber mais sobre o desejo e história do paciente, principalmente de sua história inconsciente, que se revelará lentamente através da terapia. Essa história, da qual ele nem tem conhecimento, pois lhe é inconsciente, mas que o influencia em todas suas escolhas e decisões cotidianas.”
Fábio levantou-se da cadeira levemente incomodado, foi ao banheiro e ao retornar falou: “acho que entendi agora minha professora. O paciente sempre vai querer o caminho mais fácil, é claro, eu também iria querer isso. Porém, eu, como futuro terapeuta, não posso aconselhá-lo sobre o que fazer, como agir, mesmo porque nem eu sei, pois todo comportamento dele possui um motivo para existir, geralmente desconhecido, pois é inconsciente.” Respondi: “exatamente”, e ele continuou: “Então, meu papel como psicoterapeuta é conduzir o paciente ao autoconhecimento, para que ele possa aprender mais sobre si, seus desejos, comportamentos, emoções, e munido disso, possa agir de forma diferente… ou não, pois talvez não seja isso que ele queira mesmo.” “Penso exatamente assim, Fábio. Nosso desejo não é curar, mas sim conhecer.”, encerrei o assunto com essa fala final.
Após esse papo, pedi que fizesse mais um Gin, que estava absurdamente gostoso, e zoei seu time de futebol, que está bem capenga, brigando lá embaixo na tabela do Campeonato Brasileiro. Foi bem divertido esse dia.
“Espera-se que o terapeuta ou analista empurre o paciente na direção de seu desejo. Aliás, é por isso que uma terapia leva tempo, porque, antes de empurrar, é preciso que esse desejo consiga se manifestar um pouco.” Contardo Calligaris
— Alessander Raker Stehling
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