Qual a Sua Responsabilidade na Desordem da Qual VocĂȘ Se Queixa? Dicas de Psicologia Para Deixar o Papel de VĂtima
- Alessander Raker Stehling
- 16 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
Lembro-me, como se fosse ontem, da minha primeira sessĂŁo de terapia, hĂĄ mais de oito anos. LĂĄ estava eu, pontualmente, todas as sextas Ă s 18h, no consultĂłrio da minha terapeuta, pronto para despejar todo o meu lixo emocional. Era um ritual: âMinha mĂŁe issoâŠâ, âSabe o que minha namorada fez?â, âMeu trabalho Ă© um inferno, deixa eu te contarâŠâ. Semana apĂłs semana, o mesmo desfile de queixas e desabafos, como se cada sexta fosse uma âsessĂŁo de descarregoâ. E quer saber? Eu adorava! Era um alĂvio, um desafogo genuĂno. Eu me sentia como um mĂĄrtir incompreendido, carregando o peso do mundo nas costas, e a terapia era o confessionĂĄrio onde eu finalmente podia descarregar.
SĂł que, mal sabia eu, esse alĂvio estava pendurado por um fio â e esse fio finalmente se rompeu numa sessĂŁo marcante, que nunca vou esquecer.
Foi quando minha terapeuta, com aquele olhar clĂnico, calmamente me interrompeu no meio de uma de minhas ladainhas familiares e perguntou: âVocĂȘ fala muito de Beltrano, Ciclano e Fulano hĂĄ meses. Mas me diga, o que vocĂȘ estĂĄ ganhando com essas situaçÔes?â
âGanhando?â Eu repeti, confuso, franzindo a sobrancelha e lançando aquele olhar de incredulidade. âComo assim ganhando?â Na minha cabeça, a pergunta dela era uma ofensa! SerĂĄ que ela nĂŁo entendia que eu era a vĂtima aqui? NĂŁo havia ganho nenhum, oras! Eles eram os exploradores, e eu, o explorado. Eles eram os abusadores, e eu, o abusado. Eles, os vilĂ”es, e eu, o herĂłi incompreendido⊠era simples, nĂŁo?
Foi entĂŁo que ela mencionou um conceito freudiano que me incomodou profundamente: o ganho secundĂĄrio da doença. Freud falava sobre o prazer oculto que derivamos de situaçÔes dolorosas, como se nossas queixas nos dessem uma justificativa para nĂŁo mudar, para continuar no mesmo lugar e, assim, nĂŁo encarar o desconforto do novo, de entrar numa situação desconhecida, incĂŽmoda e desafiadora. De repente, ela sugeria que, talvez, eu estivesse colhendo algum tipo de benefĂcio ao me agarrar ao papel de vĂtima. Talvez a autopiedade me desse permissĂŁo para nĂŁo arriscar, para nĂŁo me confrontar com mudanças e, acima de tudo, para manter meu mundo emocional confortĂĄvel â mesmo que fosse um conforto doloroso.
Depois daquele dia, ela mudou sua abordagem comigo. Passou a me desafiar de uma forma que eu nĂŁo estava acostumado â e que, francamente, me irritava. Ela começou a me mostrar que eu nĂŁo tinha controle sobre os comportamentos dos outros, mas que eu podia, sim, mudar a minha prĂłpria realidade. Que, se eu escolhesse continuar reagindo da mesma forma, entĂŁo parte daquela desordem era, sim, minha responsabilidade.
âOk, sua mĂŁe Ă© manipuladora. Mas como vocĂȘ escolhe reagir quando ela age assim?â
âSim, seu chefe Ă© tĂłxico. Mas o que vocĂȘ vai fazer a respeito?â
LĂĄ estava a pergunta incĂŽmoda e persistente, martelando na minha mente como aqueles despertadores antigos, algo que eu â te juro â tentei ignorar, mas nĂŁo consegui. E, pouco a pouco, fui percebendo que, por mais que 99% do caos ao meu redor pudesse ser responsabilidade de outra pessoa, havia aquele 1% sobre o qual eu tinha poder. Era o meu 1%. O meu espaço de manobra. Minha chance de agir de forma diferente.
Mas havia um preço alto a pagar: eu tinha que abrir mĂŁo dos meus ganhos secundĂĄrios. Eu teria que deixar de lado o prazer sutil de ser a vĂtima, o alĂvio de culpar os outros, a comodidade de permanecer em minha zona de conforto. Assumir a responsabilidade nĂŁo era fĂĄcil, era um processo bastante doloroso â porque significava amadurecer e abrir mĂŁo de muitos ganhos infantis, daquelas desculpas reconfortantes que eu usava para justificar a minha imobilidade.
O resultado? Bem, foi surpreendente. Quando comecei a olhar para o meu 1%, as coisas mudaram. Eu aprendi a dizer ânĂŁoâ quando precisava, a estabelecer limites, a abandonar relaçÔes tĂłxicas, a assumir os meus erros sem me autoflagelar. E, o mais importante, comecei a criar um espaço de liberdade, autonomia e poder que, ironicamente, eu acreditava ter perdido ao longo dos anos.
A pergunta de Freud â âQual Ă© a sua responsabilidade na desordem da qual vocĂȘ se queixa?â â ficou marcada na minha mente. NĂŁo se trata de culpar a si mesmo por todas as coisas ruins que acontecem, mas de reconhecer que temos poder e autonomia para responder a elas de maneira diferente. E, Ă s vezes, Ă© esse pequeno 1% que faz toda a diferença entre uma vida estagnada e uma vida que evolui.
EntĂŁo, pergunto a vocĂȘ: Qual Ă© a sua responsabilidade na desordem da qual vocĂȘ se queixa? Que parte do caos vocĂȘ estĂĄ disposto a transformar, se tiver a coragem de abrir mĂŁo do prazer oculto de ser vĂtima e assumir as rĂ©deas da sua prĂłpria histĂłria?
â Alessander Raker Stehling
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