Sábado, 19 de março de 2022, este dia me marcou profundamente. Havia trabalhado a semana toda em São Paulo a pedido da empresa, sou de Belo Horizonte. Fiquei uma semana longe da minha esposa e filho, me comunicava com eles todos os dias, a saudade que senti retorna só de relembrar aqueles dias.
Foi uma semana difícil e bem chata, várias reuniões por dia com empresários que tentavam “extrair a última gota do meu sangue” nas rodadas de negociações, sou representante comercial, no ramo de pedras decorativas.
Ao final do dia me recolhia em meu quarto de hotel, via os carros passando na Paulista e ficava pensando em como minha família estava. Sempre valorizei muito a família.
Finalmente havia chegado o dia de voltar para casa, ufa, não via a hora de ver as pessoas que mais amo, peguei o avião bem cedo no aeroporto de Congonhas, eram cinco da manhã, logo mais, às seis, eu já estaria em Confins. Pude sentir o cheiro do perfume da minha esposa, ela viria me buscar no aeroporto, foi o que combinamos.
O avião pontualmente pousou em Confins às seis, eu sentia-me animado e feliz, apesar do tempo chuvoso e frio que estava fazendo. Esperei tanto para ver minha esposa e filho, o tempo ruim pouco importava.
Ao sair em direção à entrada do aeroporto de Confins, meu telefone acendeu a tela, era uma mensagem da Ana, minha mulher: “Desculpe amor, ainda não saí de casa. Já estou saindo, tudo bem?!” Aquilo veio como um balde de água fria, fechei a cara, respirei fundo e apaticamente respondi, sem nem olhar para a foto dela no WhatsApp: “Não precisa”.
Amargurado e me sentindo sem importância, decidi pegar um Uber do aeroporto até minha casa, foram 45 minutos. Neste meio tempo não troquei nenhuma palavra com a Ana e sinto que acabei descontando minha frustração no motorista, ele me cumprimentou: “Bom dia”, lembro que não respondi e fui logo batendo a porta.
Ao chegar em casa e encontrar a Ana, balbuciei um “oi”, que soou mais frio que o tempo chuvoso daquele dia e, além disso, mal olhei na cara dela. Fiquei assim o dia todo: olhar distante, respostas curtas e secas, corpo tenso e maxilar contraído.
O que estava acontecendo comigo? Eu tinha cinquenta e dois anos na época, mas estava agindo como o meu filho de três. Em momentos como aquele, quando me sinto rejeitado e abandonado, o homem adulto que sou desaparece. Esse é o meu jeito de lidar com tudo o que toca no abandono que sofri do meu pai, na verdade, senti essa mesma coisa pela primeira vez ao perguntar para minha mãe: “cadê o papai?”, falei isso ao ver os pais dos meus coleguinhas de escola buscando-os na porta do colégio. Creio que ainda estou, até hoje, preso naquele momento, onde minha mãe amorosamente me respondeu: “o seu pai nos abandonou meu amor. Sinto muito meu filho.”
No dia posterior ao “abandono” que sofri da Ana, ela veio mansamente conversar comigo: “me desculpe amor, o Marquinhos, nosso filho, estava tossindo muito, por isso dormi tarde e sem querer acabei não acordando no horário que combinamos para ir te buscar.” Isso me desarmou, pude sentir meu corpo relaxar e meu maxilar ficar “leve” novamente.
Neste momento estou aqui, contando esse evento da minha história para o meu terapeuta. Entendo quando ele diz que preciso ter autocompaixão e compreensão diante dos meus traumas de infância. Eu realmente não queria reagir assim e infelizmente acabar magoando a Ana e o Marquinhos, eu fico triste com isso, e entendo que não existe outro caminho, a não ser assumir a responsabilidade de me curar das feridas profundas que persistem em doer e sangrar em mim e nas pessoas que eu mais amo nesse mundo. Eu sinto muito por tudo isso.
— Alessander Raker Stehling
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